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Notas Sobre O Estudo de Mise-en-scène

 


Este texto reúne anotações da Oficina Crítica de Cinema ministrada por Arthur Tuoto, explorando o conceito de mise-en-scène e sua relevância no universo cinematográfico. Ao longo da oficina, foram abordados temas como a definição do termo, sua aplicação prática pelos diretores e a relação entre forma e conteúdo na criação de experiências cinematográficas impactantes. Com base em teóricos como André Bazin e na análise de estilos autorais, como o formalismo de Hitchcock, estas anotações destacam como a mise-en-scène funciona como ferramenta essencial para materializar a visão criativa de um diretor e estabelecer conexões significativas com o público.

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👻 Drops da Raposa #04

🦊 Oficina Crítica de Cinema - Arthur Tuoto



A "mise-en-scène"é um conceito fundamental no cinema que se refere à forma como os elementos visuais são organizados e colocados dentro do quadro cinematográfico. A mise-en-scène, termo francês que significa "colocar em cena", é um conceito originado no teatro que se refere ao controle exercido pelo diretor sobre os elementos visuais em uma produção. Esse controle de cena envolve a seleção e disposição de elementos como cenários, figurinos, iluminação, enquadramento, movimentos de câmera e ações dos atores, buscando criar uma composição visual coerente e significativa.

Voltando ao conceito, diversos teóricos do cinema discutiram e elaboraram sobre o conceito de mise-en-scène ao longo dos anos. Aqui, devido a minha leitura recente, decidi usar o termo cunhado por Bazin com toda a sua teia de pensamento:

André Bazin: "A mise-en-scène não é apenas um estilo de direção, mas a expressão de toda uma concepção da vida. É uma revelação das profundezas do caráter e da verdade dos relacionamentos humanos."

Tuoto coloca a mise-en-scéne como esse universo autoral governado pelo diretor, onde a realização do filme acompanha a visão do diretor e todos os elementos recebem dele as suas configurações tentando alinhar forma e sensação.

Um diretor com uma boa mise-en-scène é alguém que não vai se limitar somente ao que está escrito no roteiro, mas que vai ter uma ideia própria de direção. Uma ideia criativa de como encenar esse roteiro e concretizar tal ideia da melhor maneira possível.

A mise-en-scène vai nos mostrar até que ponto o filme explorou as possibilidades de toda a linguagem cinematográfica – o filme definiu uma proposta e o cineasta vai usar a mise-en-scène para colocar isso em prática.
– Tuoto, 2023

É importante salientar que o cinema possui forma e conteúdo, e mis-en-scéne composta pelas junções delas, o perfeito diálogo para cumprirem seu objetivo - causar a sensação ao qual foi proposto. Mas, por que separar forma e conteúdo? Enquanto a forma diz respeito aos fenômenos técnicos e visuais, revelando aspectos estéticos e à composição dos elementos num quadro, o conteúdo, por outro lado abrange os aspectos conceituais, ideias e mensagens transmitidas pelos elementos visuais. Então uma vez definido que é mise-en-scéne para nós mesmos, podemos então decidir o que seria um bom filme, o que seria uma boa mis-en-scène e chegar a uma resposta pessoal e satisfatória de que seria uma combinação entre a forma (aspectos técnicos) e o conteúdo (aspectos conceituais) para criar uma experiência cinematográfica completa e significativa. Em que as sensações se cumprem o propósito proposto em seu roteiro e que elas sejam verdadeiras enquanto suas provocações extraiam do público alguma reação qualquer, que seja fascínio, dor, nojo, uma resposta coerente ao estímulo lançado. (ideia que eu defino como a principal do cinema).C

Como a Mise-en-Scène Apoia a Narrativa? No filme O Pai, a mise-en-scène é usada para desconstruir a realidade objetiva e mergulhar o espectador na perspectiva de Anthony. Os elementos do espaço, muitas vezes repetidos ou alterados sutilmente, criam uma sensação de confusão e perda, os móveis e os objetos em cenas juntos evocam essa sensação. Esta cena específica da capa reflete:

Conflitos emocionais: Entre os personagens e dentro deles mesmos. Isolamento psicológico: As posições e direções dos olhares indicam uma desconexão. Fragmentação da realidade: O foco no primeiro plano, enquanto o fundo está desfocado, pode simbolizar a dificuldade do protagonista em conectar memórias e eventos. 

A iluminação quente cria uma atmosfera intimista, mas também destaca os conflitos emocionais: a mulher em azul, com expressão de preocupação, contrasta com o homem ao fundo, de roupão vermelho, que está de costas, simbolizando isolamento e desconexão. Essa composição visual reflete a perda de controle e a confusão mental, ao mesmo tempo em que insere o espectador na subjetividade fragmentada do protagonista. Para montar uma cena e escolher seus elementos, é necessário o alinhamento das mentes por trás da obra, do olhar do diretor, da fotografia, do figurinista e etc.

O Diretor Como Autor - “Metteur En Scène”

"Metteur en scène" é um termo francês que se refere ao diretor teatral ou de cinema. No contexto teatral, o "metteur en scène" é responsável por conduzir a encenação, orientando os atores, definindo a direção artística e supervisionando todos os aspectos da produção. No cinema, o termo é usado de forma mais ampla para descrever o diretor como o principal responsável pela criação e realização de um filme, incluindo a direção de atores, a escolha de elementos visuais e a concepção estilística da obra.

É necessário ver os dois termos e entender suas dimensões, "Metteur en scène" e "mise-en-scène" são termos relacionados, mas com significados distintos. Enquanto o "metteur en scène" é o responsável pela condução geral da produção e pela criação da visão artística, a "mise-en-scène" é a materialização visual dessa visão, resultando na construção estética de cada cena ou sequência. Em resumo, o "metteur en scène" é o diretor, e a "mise-en-scène" é a expressão visual de sua visão criativa.

A mise-en-scène é a expressão da visão do diretor no filme, mesmo que o roteiro não seja de sua autoria. Ela vai além do texto, transmitindo a mensagem por meio da forma como é encenada. A crítica deve compreender e analisar como a mise-en-scène contribui para a construção do universo cinematográfico e entender os elementos juntos e depois separá-los para os decodificar, um método que gosto de usar e depois estabelecer a relação entre eles e os seus significados uma vez que compreendi que nada em cena é por acaso. 

Muito da definição de mise-en-scène nasce a partir da consciência do diretor como o autor do filme. Porque mesmo que o roteiro não seja dele, um bom diretor possui uma forma de encenar tão peculiar que ele se torna o autor do filme.

Quando o diretor possui uma mise-en-scène forte, a mensagem do filme não vai estar mais no roteiro, mas na forma como o roteiro é encenado. A moral de um filme nunca está somente na sua temática ou na sua história, mas também na maneira em que esse filme é filmado.
– Tuoto, 2023

Exemplos de Autorismo e Mis-en-scene - Análise Feita Pelo Tuoto

O Alfred Hitchcock, por exemplo, possui uma mise-en-scène bastante formalista. Uma mise-en-scène metódica - geralmente construída através de planos previamente pensados e desenhados em storyboards - que funciona dentro de um sistema formal em que a combinação calculada dos elementos gera o impacto da cena.

Toda história, nas mãos do Hitchcock, vai estar submissa a um modo de encenação, a um jogo com as formas que acaba tornando-as icônicasD.

O Hitchcock é um diretor de cenas clássicas porque a sua mise-en-scène é uma mise-en-scène que já busca por imagens marcantes, por formas marcantes.
– Tuoto, 2023

A mise-en-scène nos permite apreciar um filme não apenas pela história que conta, mas também pela forma como é contada. É a maneira como o diretor utiliza a linguagem cinematográfica para concretizar sua visão, transmitindo conceitos e moralidade. Enquanto a cosmologia representa a ideia do filme, a mise-en-scène é a prática que dá vida a essa ideia.

Movimentos Em Defesa da Mise-en-scène

A história do termo mis-en-scéne voltado para o cinema se cruza e  se mistura com a história da Cahiers du Cinéma onde temos como característica marcante uma nova forma de olhar o cinema e com isso novos conceitos e termos são adotados, pintando uma nova era teórica e crítica. Seus críticos rejeitavam abordagens mais convencionais do cinema, que enfatizavam principalmente o roteiro, e defendiam a liberdade criativa do diretor na composição visual das cenas, na escolha de enquadramentos, na direção de atores e na manipulação de elementos estéticos. Através desse movimento, a mise-en-scene foi se tornando valorizada e um elemento consagrado como integrante da linguagem própria do cinema, capaz de transmitir emoções, ideias e atmosferas de forma única.

Seguindo ainda a tradição francesa, dois movimentos importantes surgiram em relação à defesa da mise-en-scène: a tendência Hitchcock-Hawksiana e a tendência Macmahonista.

A tendência Hitchcock-Hawksiana refere-se à influência dos cineastas Alfred Hitchcock e Howard Hawks na valorização da mise-en-scène. Ambos os diretores eram conhecidos por sua habilidade em controlar todos os aspectos visuais de seus filmes, desde a composição dos quadros até o uso da câmera e dos elementos de design. Eles defendiam a ideia de que a mise-en-scène era uma ferramenta essencial para contar histórias e criar atmosferas envolventes. Essa abordagem enfatizava a importância da direção e da visão do cineasta na criação de uma experiência cinematográfica imersiva e tinha e consiste em reflexões que envolvem diretamente os críticos da Cahiers du Cinéma.(Tuoto, 2023)

Já a tendência Macmahonista recebeu esse nome em referência ao cineasta francês André de Mac-Mahon, Tuoto diz que esse era um movimento que tinha como base os pensamentos de Michel Mourlet e outros críticos que geralmente publicavam em outra revista francesa chamada Présence du cinéma. Os macmahonistas defendiam uma mise-en-scène mais “pura”. Enquanto os críticos da Cahiers idolatravam cineastas com estilos muito marcantes como Alfred Hitchcock e Nicholas Ray (cineastas que usavam ângulos inusitados e cores ousadas em seus planos), os macmahonistas rejeitavam essa mediação visual extrema (Tuoto, 2023). Eles buscavam uma abordagem mais subjetiva e estilística, onde o estilo visual e a composição dos quadros eram refinados e elegantes com uma estética clássica sem marcas pesadas.

Esses dois movimentos, a tendência Hitchcock-Hawksiana e a tendência Macmahonista, destacaram a importância da mise-en-scène como uma ferramenta criativa e artística no cinema. Eles contribuíram para uma valorização da direção e do controle visual do cineasta, enfatizando que a escolha e a organização cuidadosa dos elementos visuais são cruciais para a criação de um filme significativo e envolvente.

Mise-en-scène: Definições Históricas

A Cahiers du Cinéma é uma renomada revista de cinema francês que desempenhou um papel fundamental na história do cinema. Fundada em 1951 por André Bazin( creditado como redator-chefe a partir do nº 2 – e, segundo Baecque, “esquecido” no primeiro número da revista)F e Jacques Doniol-Valcroze, juntamente com outros críticos de cinema, a revista se tornou um ponto de encontro para jovens cineastas, teóricos e críticos de cinema que estavam interessados ​​em discutir e analisar o cinema de forma mais aprofundada.

A revista desempenhou um papel importante na Nouvelle Vague, um movimento cinematográfico revolucionário que surgiu na década de 1950 na França. Entre as suas  principais contribuições podemos citar a defesa da ideia de que o cinema é uma forma de arte e a promoção da política dos autores. Isso significava que os críticos acreditavam que um filme deveria ser julgado pela visão única de seu diretor, em vez de ser avaliado por padrões preestabelecidos. Além disso, os Cahiers du Cinéma também foram responsáveis por lançar e popularizar a carreira de diversos diretores franceses importantes, e que trabalharam com críticos no corpo da redação, como François Truffaut, Jean-Luc Godard, Eric Rohmer e Claude Chabrol, que mais tarde se tornaram cineastas aclamados, foram influentes na definição dos princípios estéticos e teóricos da Nouvelle Vague.

As características mais marcantes dos Cahiers du Cinéma eram sua abordagem intelectual e teórica do cinema, que ia além da simples avaliação dos aspectos técnicos de um filme, e sua atenção aos detalhes e nuances da linguagem cinematográfica. Os críticos também eram conhecidos por serem bastante rigorosos em suas análises, o que às vezes os tornava impopulares entre o público em geral. No entanto, sua influência foi duradoura e ajudou a estabelecer o cinema francês como um dos mais importantes do mundo, com suas análises e críticas provocativas, os Cahiers du Cinéma ajudaram a elevar o status do cinema como uma forma de arte legítima e influenciar gerações futuras de cineastas e críticos. 

Contribuições

Política dos autores ou “Politique des auteurs”: Os Cahiers du Cinéma foram pioneiros na defesa da política dos autores, introduzindo  o conceito de "politique des auteurs" ou "política dos autores" que defendia a valorização dos diretores como artistas e a importância de sua visão autoral na criação cinematográfica.

Autoria ou “Auteur”: Como mencionado acima, eles foram responsáveis por popularizar o conceito de "auteur", que se refere ao diretor como o principal autor de um filme. Essa ideia enfatiza a expressão pessoal e o estilo distintivo do diretor, o que influenciou profundamente a forma como o cinema é percebido até hoje. Os críticos dos Cahiers du Cinéma analisavam a filmografia dos diretores, identificando temas recorrentes, estilo pessoal e assinatura artística em seus trabalhos.

Abordagem crítica e teórica: Os Cahiers du Cinéma adotavam uma abordagem intelectual e analítica do cinema, indo além da mera avaliação dos aspectos técnicos de um filme. Os críticos exploravam temas como narrativa, estética, simbolismo e filosofia, buscando compreender e interpretar o cinema como uma forma de arte.

Estética cinematográfica: A estética e a linguagem cinematográfica eram temas centrais nas análises da Cahiers du Cinéma. Os críticos exploravam elementos como a mise-en-scène, a montagem, a cinematografia e o uso do som, discutindo como esses aspectos contribuíram para a expressão artística e o significado dos filmes.

Nouvelle Vague: A revista desempenhou um papel fundamental no surgimento e na promoção da Nouvelle Vague um movimento cinematográfico francês que redefiniu a linguagem cinematográfica e introduziu novas abordagens narrativas e estilísticas,  os seus críticos  foram responsáveis por lançar e apoiar diversos diretores franceses icônicos, como Jean-Luc Godard, François Truffaut e Claude Chabrol, dando-lhes visibilidade e reconhecimento internacional promovendo a valorização do cinema francês. 

Realismo Poético: A Cahiers du Cinéma valorizou o realismo poético, um estilo de cinema francês que combinava elementos realistas com uma abordagem poética e lírica. Esse estilo, exemplificado por filmes como "A Grande Ilusão" (1937) de Jean Renoir, influenciou a visão estética e crítica da revista.

Para concluir, as discussões presentes na oficina nesse trecho, enfatizaram a mise-en-scène como um elemento vital para entender o cinema como arte, permitindo que analisemos um filme além de sua narrativa, valorizando a forma como a história é contada. Com exemplos práticos e reflexões teóricas, foi possível compreender a importância do diretor como autor e o impacto das escolhas visuais na construção de um filme. A oficina serviu como grande guia para conhecer conceitos e se aprofundar na parte mais teórica, creio que esse será apenas o primeiro texto dos muitos que trarei sobre o curso, as minhas anotações envolvem pesquisas e busca por referências externas a fim de complementar o conhecimento fixadas nas notas do rodapé como de costume no site. 

[A] https://www.significados.com.br/mise-en-scene/
[B] https://pnc.gov.pt/glossary/m
https://www.focorevistadecinema.com.br/FOCO4/education.htm
https://aterraeredonda.com.br/a-mise-en-scene-do-cinema/
https://www.nfi.edu/mise-en-scene/5/

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