Se assistiu a Game Of Thrones ou leu aos livros, sabe que o inverno é temido pelo North e que essa virada de estação traz seus males. Não a toa, eles que vivem próximo as barreiras de dois mundos portam o lema "O inverno está chegando", sabem que ele não vem só, todas as criaturas e coisas obscuras podem acontecer, inclusive "white-walkers" surgem com ele. Será que há coincidências?
Game Of Thrones tem as suas inspirações na cultura anglo-saxã e se você ainda não sabia, a origem do Halloween remonta há mais de 2000 anos, começando com a celebração celta de Samhain ("fim do verão", pronuncia-se SAH-win), um festival agrícola que ocorria entre o pôr do sol de 31 de outubro e o amanhecer do dia seguinte.
Para os celtas, Samhain marcava a transição do verão para o inverno, associando-se à passagem entre a vida e a morte e entre nosso mundo e o submundo. Essa “metade escura” do ano, o inverno, era associada à morte, momento em que se acreditava que banshees (do gaélico Bean-Sidhe, “mulher dos montes mágicos”), elfos e outras criaturas sobrenaturais emergiam do sídh, também chamado de Sídhe ou sìth (colinas consideradas lares de seres sobrenaturais, como fadas e elfos, nas tradições irlandesa e escocesa). Lembra uma certa história não?
"No marco do início do inverno, Samhain estava intimamente associado à escuridão e ao sobrenatural. Na cultura celta, o inverno era a estação sombria do ano, quando a "natureza está adormecida, o verão retornou ao submundo e a terra é desolada e inóspita." Na Cornualha e na Bretanha, novembro era conhecido como o mês sombrio ou negro, o primeiro do inverno; na Escócia, era chamado de "an Dubhlachd" ou "escuridão". Samhain era um tempo de uniões divinas e presságios sombrios, um período em que aves malignas emergiam das cavernas de Croghan para caçar a humanidade, lideradas por um abutre de três cabeças cuja respiração fétida destruía as colheitas."
– Halloween: From Pagan Ritual to Party Night. Pág.20
A Tradição
Muitos desconhecem os elementos dos festivais celtas de outono, ligados ao sobrenatural e ao misticismo. Durante Samhain, acreditava-se que os espíritos cruzavam temporariamente a barreira entre o mundo dos vivos e dos mortos, podendo se comunicar com os vivos. Para apaziguar as almas e não serem incomodados, os celtas acendiam grandes fogueiras e usavam peles de animais e máscaras, fazendo ofertas de comida. Os druidas, sacerdotes celtas, viam essa ocasião como uma oportunidade de vislumbrar o futuro.
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A Mudança na Tradição e a Cristianização
Samhain > All Hallows' Eve > Halloween
Com o passar do tempo, as tradições evoluíram. A grande fogueira, que era acesa para apaziguar os espíritos, deu lugar a pequenas velas, que passaram a ser colocadas em abóboras esculpidas. Essas lanternas de abóbora, ou jack-o'-lanterns, têm suas raízes nas práticas antigas de esculpir nabos e batatas. No entanto, a abóbora se tornou o símbolo mais aceito e difundido da versão moderna, representando a fusão de culturas e a continuidade do legado místico do outono. A escolha das velas pode refletir uma certa influência cristã (opinião pessoal), incorporando a vela, um símbolo de luz divina e purificação, parte integrante das celebrações.
Ironicamente, o Halloween, muitas vezes condenado como satânico, deriva de um feriado católico. Em 609, o Papa Bonifácio IV instituiu o Dia de Todos os Santos, foi posteriormente transferido para 1º de novembro (aqui no Brasil tido como dia de Finados) por Gregório III, talvez para coincidir com Samhain e facilitar a integração das celebrações pagãs ao cristianismo, transformando 31 de outubro no All Hallows' Eve, que mais tarde se abreviou para Halloween.
Como explicado no livro Halloween: From Pagan Ritual to Party Night, "se Samhain conferiu ao Halloween uma carga sobrenatural e uma liminaridade intrínseca, ele não ofereceu muito em termos de práticas rituais reais, exceto em seus fogos sagrados. A maioria dessas práticas se desenvolveu em conjunto com os dias santos medievais de Todos os Santos e Finados." Historicamente, esses feriados cristãos foram uma adição relativamente tardia, com a data de novembro sendo adotada em várias partes da Europa ao longo dos séculos para cristianizar o festival de Samhain (Rogers, p. 22).
A fusão com o Dia de Todos os Santos suavizou a atmosfera de escuridão e medo do Samhain celta, ao mesmo tempo que manteve um pouco do mistério. O uso de fogueiras, as máscaras, a oferta de comida – todos esses detalhes foram apropriados, mas perderam parte da essência original. Foram apagados os elementos primordiais lançados no passado.
O Samhain sinalizava a aproximação de forças místicas e a potencial abertura para o outro mundo, esse lado foi esquecido da tradição, mas de alguma forma resgatado e representados em contos modernos, como na preparação dos nortenhos de GOT para a chegada do inverno e do sobrenatural a e com ele esse algo estranho e temido.
A exemplo de histórias como Game of Thrones, em que essas influências celtas ressurgem no imaginário popular, temos também a série Crônicas Saxônicas de Bernard Cornwell, onde uma de suas camadas trata dessa luta de influências e crenças, e da absolvição de algumas ideias. Em ambas estórias, vemos de relance o panorama histórico dessa fusão cultural ressoa hoje no Halloween e em outras manifestações culturais.
Notas de Rodapé:
__ FOSSOIS, Gwendal. A mitologia em Game of Thrones. 1. ed. São Paulo: Planeta Minotauro, 2019.
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