"Posso negar que tudo desta parte de mim que vive de nostalgias incertas, menos esse desejo de unidade, esse apetite de resolver, essa exigência de clareza e de coesão. Posso refutar tudo neste mundo que me rodeia, que me fere e me transporta, salvo o caos, o acaso-rei e a divina equivalência que nasce da anarquia. Não sei se este mundo tem um sentido e o ultrapassa. Mas sei que não conheço esse sentido e que por ora me é impossível conhecê-lo. O que significa para mim significação fora da minha condição? Eu só posso compreender em termos humanos. O que eu toco, o que me resiste, eis o que compreendo"– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 88.
Albert Camus, é um renomado filósofo e escritor do século XX, é lembrado por suas profundas reflexões existenciais e sua abordagem filosófica única. Em "O Mito de Sísifo," Camus trata da condição humana e da busca por significado em um universo que ele caracteriza como absurdo, usando a figura mitológica de Sísifo, condenado a rolar uma pedra colina acima eternamente, como uma metáfora para discutir conceitos-chave de sua filosofia, como o absurdo e a revolta.
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OBRAS E A DIVISÃO DE SEU TRABALHO
As obras de Camus pode apresentar variações quanto às suas divisões:
Camus diz:
"Eu tinha um plano preciso quando comecei minha obra: de início, eu queria exprimir a negação. Sob três formas. Romanesca: foi assim com o Estrangeiro. Dramática: Calígula, O Mal-entendido. Ideológica: O mito de Sísifo. Eu previa o positivo também sob três formas. Romanesca: a peste. Dramática: O estado de Sítio e os justos. Ideológica: O homem revoltado. E já entrevia uma terceira camada, em torno do tema do amor "– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 8.
I. Fase de Negação:
Romanesca: O Estrangeiro
Dramática: Calígula e o Mal-entendido
Ideológica: O Mito de Sísifo
II. Fase Positiva
Romanesca: A Peste
Dramática: O Estado de Sítio e Os Justos
Ideológica: O Homem Revoltado
III. Fase do Amor
Biográfica: Primeiro Homem
Outra forma de ver as divisões das obras de Camus é com base em suas temáticas, eu preferi organizar dessa forma com base em minhas pesquisas e uma divisão mais pessoal. Por isso talvez não encontre divisão com essas mesmas características. Vejamos:
I. Fase do Absurdo e a Existência Humana (1930-1940):
Camus explorou a ideia de que a vida carece de um significado inerente, e os seres humanos são confrontados com um universo indiferente. Ele questionou como as pessoas encontram sentido em um mundo aparentemente absurdo e sem sentido.
1937 - O Avesso e o Direito
1942 - O Estrangeiro
1942 - O Mito de Sísifo
II. Fase da Revolta e Moralidade (1940-1950):
Durante essa fase, Camus se concentrou em questões políticas e morais, examinando a revolta como uma resposta legítima à tirania e à opressão. Ele explorou a importância da resistência e da luta pela justiça.
1945 - Cartas a um Amigo Alemão
1947 - A peste
1950 - Os Justos
1951 - O Homem Revoltado
III. Fase do Exílio (1950-1960):
Na fase final de sua carreira, Camus voltou-se para uma introspecção mais pessoal. Suas obras exploram questões existenciais e morais, muitas vezes com uma perspectiva autobiográfica e exílio interior. Ele refletiu sobre sua própria vida, infância e identidade argelina.
1948 - Estado de Sítio
1954 - O Verão
1956 - A Queda
1957 - Exílio e o Reino
IV. Fase do Amor
1957 / 1960 - O Primeiro Homem
Optei pela distinção entre as fases da obra de Albert Camus como ponto de partida por oferecer uma compreensão mais clara das preocupações e temas que permearam sua carreira literária e filosófica. É claro que uma compreensão plena de um autor, exige uma leitura conjunta de suas obras e um olhar biográfico para entender como vida e obra se entrelaçam e lançam sentido.
Agora, ao nos voltarmos especificamente para "O Mito de Sísifo," podemos explorar como essa obra se encaixa nas discussões do absurdo, existência e suas reflexões, e como ele trabalha os principais conceitos que o acompanharão em trabalhos posteriores, sempre revisitando e refletindo, muitas vezes editando ou reafirmando o que já foi dito.
O MITO DE SÍSIFO
A primeira pergunta que nos deparamos é: por que Sísifo? E logo em seguida quem foi Sísifo?
Sísifo é um personagem da mitologia grega condenado a empurrar uma pedra colina acima, apenas para vê-la rolar de volta ao vale, em um ciclo sem fim. Resultado de sua punição, ao tentar enganar a morte, Sísifo, agora terá como condição uma tarefa absurda e sem sentido. É condenado a viver eternamente rolando uma pedra, em um ciclo ininterrupto.
Albert Camus utiliza o mito de Sísifo como uma metáfora para a condição humana. A relação entre Sísifo e a obra de Camus se dá através desse desafio existencial de encontrar significado em um mundo que parece desprovido de propósito, uma questão central na filosofia existencialista e absurdista de Camus.
Através da obra "O Mito de Sísifo," de Albert Camus, fui introduzido a uma série de conceitos fundamentais que moldaram minha jornada de leitura e que considero essenciais compartilhar aqui. Alguns desses conceitos, como mencionado anteriormente, desempenham papéis centrais em suas obras, e destaco abaixo aqueles que considerei de particular importância para compreendermos agora como marco zero:
CONCEITOS CAMUSIANOS
I. Absurdo
O absurdo nasce desse confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo. Isto é o que não devemos nos esquecer. É a isto que devemos nos apegar, porque toda a consequência de uma vida pode nascer daí.– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 53.
Camus argumenta que a vida humana é inerentemente absurda, porque o homem busca um sentido objetivo e racional em um universo que é indiferente às suas necessidades e desejos. O Absurdo é, portanto, a contradição entre a busca por sentido e significado e a realidade da vida.
II. Revolta
"Pertence ao tempo e reconhece seu pior inimigo nesse horror que o invade. O amanhã, ele ansiava o amanhã, quando tudo em si deveria rejeitá-lo. Essa revolta da carne é o absurdo"– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 35.
Em face do Absurdo, o homem pode escolher a revolta, a qual é a recusa em aceitar a vida sem sentido, rejeita o suicidio e opta pelo amanhã. A revolta é um ato de liberdade e de afirmação da existência, uma escolha consciente de lutar contra o Absurdo.
É a resposta mais adequada frente ao absurdo. A revolta é uma escolha consciente de aceitar a vida como ela é, mesmo sem sentido ou propósito, e de encontrar significado e valor na própria existência. A revolta é um ato de liberdade e afirmação da existência, que reconhece a realidade do Absurdo, mas escolhe continuar a viver de forma corajosa e digna.
III. Suicídio filosófico
É se entregar as respostas prontas esquecendo da verdadeira questão, o problema de que o absurdo existe e que ele pode se apresentar de maneira abrupta e sem explicações.
IV. Suicídio
Matar-se, em certo sentido, e como no melodrama, é confessar. Confessar que fomos superados pela vida ou que não a entendemos.
– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 21.
O suicídio é uma resposta radical à falta de sentido e propósito da vida, mas não oferece uma solução real para o problema. O suicídio não é uma solução para o problema do Absurdo, mas sim uma recusa em enfrentá-lo e em encontrar uma resposta existencial apropriada.
Em oposição ao suicídio, Camus deixa em meio as entrelinhas proposto a revolta como uma resposta mais adequada, que reconhece a realidade do Absurdo, mas escolhe continuar a viver com coragem e dignidade.
A revolta seria uma escolha consciente de encontrar significado e valor na própria existência que não nega o absurdo, e esgota as possibilidades da condição da vida, mesmo que ela seja rolar uma pedra acima da montanha, sabendo que ela rolará ladeira abaixo.
V. Estrangeiro
... Surge a estranheza: perceber que o mundo é "denso", entrever a que ponto uma pedra é estranha, irredutível para nós, com que intensidade a natureza, uma paisagem pode se negar a nós. No fundo, de toda beleza jaz algo de desumano, e essas colinas, a doçura do céu, esses desenhos de árvores, eis que no mesmo instante perdem o sentido ilusório com que os revestimos, agora mais longínquos que um paraíso perdido. [...] o mundo escapa porque volta a ser ele mesmo. Aqueles cenários disfarçados pelo hábito voltam a ser o que são. [...] Essa densidade e essa estranheza do mundo, isto é absurdo.– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 35.
O conceito de estrangeiro pode ser entendido como a sensação de alienação e distanciamento que um indivíduo experimenta ante ao absurdo da existência, nesse contexto, é alguém que se sente desconectado do mundo, confrontado com a falta de sentido objetivo na vida.
No Mito de Sísifo, onde aparece pela primeira vez esse conceito de Camus, ele explora como os seres humanos, como estrangeiros no universo absurdo, buscam encontrar significado em suas vidas, mesmo quando confrontados com a aparente falta de propósito, destacando a necessidade do "Salto" para enfrentar o absurdo e criar seu próprio significado.
Esse estranhamento se faz mais forte na obra "O Estrangeiro" em que ele se aprofunda na temática.
VI. Angústia
Camus descreve a angústia humana como uma resposta natural à condição da vida, que ele considera absurda. Ele argumenta que a busca por um propósito é uma ilusão, mas a angústia pode ser superada pela aceitação do Absurdo e pela escolha consciente de encontrar significado na própria existência. O Absurdo, para Camus, é a contradição entre o desejo humano de sentido e a falta de um significado objetivo no mundo, o que pode resultar em sentimentos de desespero, solidão e o estrangeirismo, entre outros.
VII. Salto
É preciso saltar nele com esse salto livrar-nos das ilusões racionais. [...] Constatá-lo é aceitá-lo.– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 64.
O Salto é uma metáfora que se refere ao ato de aceitar o Absurdo da vida e continuar vivendo, apesar da falta de sentido objetivo ou propósito intrínseco. Para Camus, o Salto é que esclarece um pouco as verdadeira natureza do absurdo (página 66), mas não se deve confundir com o salto metafísico, esse não se trata de uma esperança futura além da vida.
VIII. Consciência
... Um homem é sempre vítima de suas verdades. Uma vez que as reconhece, não é capaz de se desfazer delas. Precisa pagar o preço. Um homem consciente do absurdo está ligado a ele para sempre. Um homem sem esperança e consciente de sê-lo não pertence mais ao futuro. Isto é normal. Mas também é normal que se esforce para escapar do universo que criou.– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 60.
É a conscientização do absurdo que permeia a existência humana. Essa consciência pode gerar desesperança, mas também abre a possibilidade de escolher viver, criando significado em um mundo aparentemente ilógico e sem propósito.
Camus aponta que, embora essa consciência possa levar à falta de esperança, é normal que o ser humano busque escapar desse universo absurdo que criou, mesmo que essa busca por significado seja desafiadora e paradoxal. Ela abre margem não para uma significação, mas acaba encontrando um sentindo e uma profundidade (P. 74)
IXI. Racionalidade e Irracionalidade
O absurdo é a razão lúcida que constata seus limites.
– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 83.
Camus argumenta que a vida é fundamentalmente irracional, e essa irracionalidade é parte do que ele chama "desse espírito absurdo", "o mundo ... Não é tão racionável, nem irracional a tal ponto. É irracionável, e nada mais do que isso.", e isso reforça que o mundo não pode ser completamente compreendido ou explicado por meio da razão lógica, mas também não é completamente caótico ou irracional.
Camus não deixa de reconhecer a importância da razão humana, mas a vê como uma ferramenta limitada. A razão pode ajudar a entender o mundo, mas não pode resolver o Absurdo.
REFLEXÕES E NOTAS EXTRAS
A principal reflexão que me ocorre, gira em torno da escolha de Camus, em eleger Sísifo para o seu ensaio que me fez questionar: Por que Sísifo? Talvez a resposta reside na coragem dessa figura mitológica em desafiar a morte, por sua revolta consciente, pela liberdade da escolha e a ousadia de mudar seu próprio destino. Decerto seu maior triunfo tenha sido a sua paixão pela vida, e seu esgotamento pela realização de seu desejo de viver que o conduziu a enfrentar a morte.
Sísifo, se lança para o absurdo. E como Camus disse "É preciso imaginar Sísifo feliz" ao rolar a pedra morro acima. Essa felicidade posso supor que venha da liberdade da sua revolta, ele não nega o absurdo de sua tarefa cotidiana mesmo sabendo que seu trabalho é vão e a pedra tornará a rolar morro abaixo. Absurda essa conclusão?
Mas o absurdo é essa condição imposta, que não oferece lógica. Ele nasce do encontro do homem e o mundo e de seu interesse em conhecer o sentido da vida, essa por sua vez é muda e não oferece resposta alguma além do silêncio que atormenta o homem e traz angústia, uma vez que o homem é acostumado à racionalização e esta (absurda) nega-o qualquer resposta. Esse é o absurdo.
Camus trata das possibilidades diante da ausência de sentido e coloca o suicídio como a maior das questões filosóficas, pois perante o silêncio da vida na busca de sentido de existir, deixar de existir se torna uma resposta. Mas Camus ainda vê outra solução, a revolta.
O Suicídio do corpo, seria aceitar a condição absurda da vida, se entregar sem lutar, entregar a vitória ao inimigo de maneira fácil, enquanto a revolta seria ir à luta. A revolta nos leva a aceitar esse absurdo, não negá-lo, pois sabemos que a falta de sentido é real, mas esgotamos todas as possibilidades que podemos criar. Empregamos sentido.
Sísifo é o herói absurdo. Tanto por causa de suas paixões como por seu tormento. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo ser se empenha em não terminar coisa alguma. É o preço que se paga pelas paixões dessa terra.”– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 183.
Esses conceitos estão interligados e formam a base da filosofia existencialista de Camus, que busca uma resposta para a questão fundamental da existência humana: como viver em um mundo sem sentido ou propósito claro?
O que Camus propõem e instiga é questionar nossa própria existência e buscar incessante por sentido em um universo que pode permanecer indiferente às nossas perguntas e que permanecerá nesse silêncio, pois ele não se explica. A questão que mais importa para Camus é a vida e como olhamos para ela. Pensar a morte é também refletir sobre a vida e seu significado.
Camus é sincero quanto a falar sobre o que é viver esse absurdo, e diz:
O homem absurdo vislumbra assim um universo ardente e gélido, transparente e limitado, no qual nada é possível mas tudo está dado, depois do qual só há o desmoronamento e o nada. Pode então decidir aceitar a vida em semelhante universo e dele extrair sus forças, sua recusa à esperança e o testemunho obstinado de uma vida sem consolo."– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Página 100.
Em frente a uma vida absurda, em que somos eternamente estrangeiros, basta-nos sermos felizes, esgotando as possibilidades de sentidos que podemos criar, mesmo que tenhamos que rolar a pedra acima do morro diariamente e ela torne a descer, esse eterno retorno do mesmo camusiano com a certeza de que a nossa revolta nos liberta para fazermos escolhas.
NOTAS DO RODAPÉ
Referências:
– CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. 26ª edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2022.
2 Comentários
Parabéns pelo texto. Tava pensando em mito de Sisifo recentemente, conhecido como hoje, e senti que consegui melhorar o meu entendimento da obra após terminar de ler o seu texto.
ResponderExcluirObrigada!! Fico feliz em saber que ajudei Mickael, é uma das obras que pretendo retornar no futuro e está no meu top 5 de obras da vida.
ExcluirDeixo aqui o link para conhecer outros textos que escrevo. Espero que se inscrever se gostar https://cafelibrarium.substack.com/
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