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Distopia: Explorando Um Futuro Sombrio



A distopia é um subgênero de ficção científica, que apresenta uma sociedade imaginária, geralmente em um futuro distante, cercado por um negativismo agudo e altamente reflexivo. Existem alguns que por tais características acusam a distopia de ser premonitória e de portar um mau presságio, outros apenas a classifica como literatura puramente especulativa e fértil em sua criatividade e imaginação.

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Longe das simplificações, podemos supor que a distopia extrapola os limites das páginas, apresentando um mundo fictício, sombrio e opressivo, favorecendo uma reflexão crítica sobre a sociedade em que vivemos, explorando temas como política, tecnologia, identidade, poder, violência, desigualdade, justiça social e moralidade. Podemos enxergar através das malhas da ficção aspectos da nossa própria realidade.

Na distopia há tanto em seus aspectos positivos quanto negativos, mas a sua ênfase se dá naquilo que poderia dar errado, daí a importância de compreendermos o significado da palavra DISTOPIA.

UTOPIA X DISTOPIA

“A guerra é travada, pelos grupos dominantes, contra seus próprios súditos, e o seu objetivo não é conquistar territórios nem impedir que outros o façam, porém manter intacta a estrutura da sociedade.”

– ORWELL, George. 1984.

O termo “distopia” foi usado por John Stuart Mill em 1868, como um contraponto ao termo “utopia”, criado por Thomas More em seu livro “A Utopia” (1516), que descrevia um mundo ideal, perfeito e sem falhas. Atualmente, a distopia se estabeleceu como um subgênero da ficção científica que costuma retratar sociedades em crise ou pós-eventos de grandes impactos na história humana com doses de crítica social, política e cultural, utilizando cenários futuristas para apresentar possibilidades sombrias de um futuro onde a humanidade é oprimida por governos totalitários, regimes autoritários, catástrofes ambientais, crises sociais e claro uma certa desumanização e uma crescente violência, restrições e controle. 

É com essas possibilidades sombrias que os autores literários desse subgênero jogam, com ideais que trazem em si consequências e perdas escondidas, a exemplo do ideal de segurança que por trás esconde um controle opressor, a troca do individual pelo coletivo e a falsa sensação de felicidade e pertencimento em uma sociedade em ruínas.

Aldous Huxley (1894-1963), talvez seja o maior nome quando se trata de distopia, trazendo de forma impactante tais reflexões sobre a tecnologia, as mudanças sociais, um regime totalitário que trabalha com o prazer e as boas sensações recorrendo até o uso de drogas como a soma, para a manutenção dessa ordem de “perfeita de felicidade, segurança e prazer” e todo o aparato das manipulações e reescrita da verdade – claro que nesse mundo não há espaço para livros e o conhecimento válido é apenas aquele compartilhado e aceito pelo governo inserido através do “Condicionamento Hipnopédico” que nada mais é do que um processo que envolve a repetição de mensagens subliminares durante o sono para moldar as crenças, valores e comportamentos dos indivíduos desde a infância.

Outros autores como George Orwell (1903-1950) e Phillip K. Dick (1928-1982) também trazem em suas obras traços gritantes e inovadores do subgênero, deixando-o tão marcado que muitos afirmam ser premonitórios. Muitas das características que se difundiram na distopia tiveram as suas bases lançadas por esses autores, como veremos mais a frente.

Vale destacar que as primeiras obras distópicas surgiram no final do século XIX e início do século XX, em um contexto de incertezas políticas e sociais, incluindo o surgimento de regimes totalitários, como o nazismo e o fascismo, o avanço das tecnologias e da industrialização, que aparecem refletidos nas obras.


CARACTERÍSTICAS 

Quanto às características citarei algumas que mais vejo nas obras que leio, por isso talvez pesquise por esses conceitos e não os encontre certamente da forma que citei por se tratar de uma forma pessoal de pontuar. Segue algumas delas abaixo:
       
Crítica social: a distopia frequentemente apresenta uma crítica aos problemas sociais e políticos do presente, alertando para os riscos de um futuro sombrio caso esses problemas não sejam resolvidos.

"Eu não existo, ele disse a si mesmo. Não existe nenhum Jason Teverner. Nunca existiu e nunca existirá. Que se dane minha carreira, só quero viver. Se alguém ou algo estiver querendo liquidar minha carreira, o.k, que o faça. Mas não terei permissão para ao menos existir? Sequer nasci?"

– DICK, Philip K. Fluam as Minhas Lágrimas, Disse o Policial. 

Controle social e a desumanização: muitas distopias exploram a desumanização da sociedade. Indivíduos são tratados como objetos ou números, perdendo sua individualidade e humanidade. É possível encontrar obras que como admirável mundo novo e 1984, trazem uma reflexão sobre o desligamento dos sentimentos, e da nossa relação com outros seres humanos sem essa parte que nos torna humanos, além de questionar o que nos torna humanos e que características e capacidades nos constituem quem somos. 

O controle é muitas vezes apresentado de maneira marcante, o individual convertido em uma rendição total a um conjunto de regras sociais privativas, punitivas e altamente perigosas, o descumprimento é morte. O pensamento livre e espontâneo, uma ameaça ao sistema nesse "Admirável mundo novo" onde tudo é o bem de todos e para todos.

Um exemplo de obra distópica é o livro "1984" de George Orwell. Publicado em 1949, o livro retrata uma sociedade totalitária em que o governo controla cada aspecto da vida dos cidadãos, e a manutenção do poder sendo o medo. A obra foi responsável por definir conceitos e lançar termos como "Big Brother" [grade irmão] e "duplipensar" que são utilizados até hoje para descrever a vigilância constante e manipulação de informações.

“Pois quem controla o passado, controla o presente”.

– ORWELL, George. 1984.

Pessimismo e a degradação: temas sombrios e difíceis são comuns nas distopias, como a violência, a morte, o controle da mente e o abuso de poder e muitas vezes caminham para um final pessimista, em que a vitória dos personagens não é completa ou é paga com um preço alto, quando há, reforçando a ideia de que mudar um mundo opressivo é difícil e a luta pela liberdade é constante.

O Incômodo/ incomodado e o questionamento da realidade: Uma das coisas podemos perceber nessas obras é que por mais que tenha um sistema perfeito, manipulações, condicionamentos e opressões sempre tem uma pessoa que acorda desse transe, levantado questões como a possibilidade do livre arbítrio, pelo sonho de algo diferente daquilo que se está vivendo. 

O mito de uma sociedade pura e boa logo tem um fim, e o preço pago por essa sociedade “nova e boa” onde os cidadãos estão envoltos em um governo super controlador e luta para manter a aparência e a vigência de suas verdades logo deixa transparecer algo obscuro e sujo. 

O incômodo é o motor que a faz enxergar que há algo mais, algo que não está sendo dito, algo além do teatro, aquilo que dá o clique para a recuperação de estado consciente é o que conduz os protagonistas em uma jornada contrária ao sistema e em busca do conhecimento, muitas vezes tem como ponto de partida o autoconhecimento e a noção do EU, para então tecer uma jornada em busca da verdade, da história, e comumente da recuperação do passado e do direito a memória como em "Fluam as minhas lágrimas disse o policial" onde o personagem tenta recuperar a sua identidade e questiona as lembranças que povoam sua mente o fazendo duvidar o que é real. 

Apagamento do passado ou reescrita dos eventos passados: Não poderia faltar manipulação da história. Para as distopias o passado é algo perigoso, é preciso editar a história, reescrever a mémoria coletiva e colocar o hoje como a melhor época e de mais fortuito. 

A memória precisa ser contestada, os livros queimados,o indivíduo  não pode existir somente o coletivo. O controle sobre a narrativa histórica é fundamental para a perpetuação do domínio. Esse apagamento e reescrita do passado não apenas moldam a percepção da realidade ele são agentes da manutenção desse controle social.

"Todas as criaturas são iguais, mas algumas são mais iguais do que outras." 

- ORWELL, George. A Revolução dos Bichos

A frase acima é a que melhor trata deste ponto, porque ela evidencia  como o controle da narrativa histórica se torna uma ferramenta nas mãos daqueles que buscam manter seu domínio sobre as massas. Essa alteração do passado, cria uma sociedade na qual a verdade é substituída por uma "nova verdade", e o apagamento do passado é usado como meio de perpetuar a injustiça e a subjugação no caso o domínio dos porcos. 

Tecnologias revolucionárias: Como premissa, uma obra científica traz em si objetos e soluções tecnológicas que marcam o início de uma nova era, que sejam máquinas do tempo, naves espaciais que transportam os seres humanos através do espaço-tempo, drogas super potentes que fazem a manutenção do bem-estar até a cura de todos os males. 

Não podemos deixar escapar aqui os gadgets que ajudam os personagens em sua jornada, carros voadores, apetrechos avançados, tudo o que inspira inovador e maravilhoso.

Uma vez que já conhecemos o que é a distopia, finalmente podemos falar das principais obras e deixar aqui indicações, para isso separamos uma lista. Confira!


REFLEXÕES SOBRE O TEMA

Talvez tenha percebido que distopia e Sci-fi quase sempre aparecem juntas, e quando citamos uma automáticamente ou por reflexo invocamos a outra. Essas duas categorias estão intrinsecamente ligadas, formando uma interseção de conceitos que é difícil de separar, já que suas fronteiras se tocam de maneira significativa.

O que as obras de Ficção Científica têm em comum é a capacidade de imaginar um futuro, que apesar de parecer extremo, é capaz de revelar os aspectos mais problemáticos da sociedade atual e repensar a forma de olhar o nosso tempo. As distopias nos fazem refletir sobre os rumos da humanidade e sobre as consequências de nossas escolhas como sociedade e os perigos da perda da memória social e do pensamento crítico. 

Nessas leituras ficcionais há sempre uma preocupação com o que estamos nos tornando como grupo e como caminhamos como indivíduos, o perigo do conhecimento e a ameaça do conhecimento e da inquietude que o conhecimento causa. Tenho para mim que a "verdade" estremece e causa terremotos dentro de nós, gerando mudança e ansiedade pelo desconhecido, pela verdade, por questionar e ir além das respostas prontas, é lançar novas perguntas e revisar as existentes. Nietzsche disse:

"Inexprimível e sem nome é o que faz o tormento e a delícia da minha alma, e o que é, também, a fome das minhas entranhas"

– NIETZSCHE, Assim falou Zaratustra.

E como esquecer o que o selvagem de Huxley em Admirável Mundo Novo disse? Assim como ele, eu, Não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado.” E acrescento a verdade, o direito à memória, e todos os livros…


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NOTAS DE RODAPÉ:

_ ROBERTS, Adam. A Verdadeira História da Ficção Científica: Do Preconceito à Conquista das Massas. 

_ ORWELL, George. 1984. Heloísa Jahn e Alexandre Hubner. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

_ ORWELL, George. A Revolução dos Bichos.

_ HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo.

_ INSOLITO FICCIONAL. Distopia. Disponível em:
<https://www.insolitoficcional.uerj.br/distopia/>. Acesso em: [20 de Setembro de 2023].

_ CRIMLAB. Dicionário Criminológico - Distopia. Disponível em: <https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/distopia/74>. Acesso em: [20 de Setembro de 2023].


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